“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Para melhor

    Paul Haggis é um bom argumentista, com muito boas provas nomeadamente em filmes de Clint Eastwood. Como realizador de cinema é um homem sério mas que não tem mostrado até agora ideias próprias de cinema em termos visuais e narrativos que não passem da própria evidência do previamente escrito nos seus próprios argumentos.
                     
    "Na Terceira Pessoa"/"Third Person" (2013) é um filme com uma ideia invulgarmente boa e com um cast impecável em que o realizador, talvez pela primeira vez, constrói em termos cinematográficos a sua pópria ideia de narrativa, a ficção dentro da ficção de um escritor em crise, Michael/Liam Neeson, entre ele próprio em Paris e o seu duplo em Roma, Scott/Adrien Brody, mais todas as mulheres que cada um deles, mais uma, arrasta consigo: Anna/Olivia Wilde, Theresa/Maria Bello, Julia/Mila Kunis mais a distante Elaine/Kim Bassinger, a única verdadeira.
    Compreende-se muito bem a ideia de falso melodrama, que assenta bem ao filme mesmo nos seus excessos telenovelescos, mas a realização de Paul Haggis procede a essa integração em termos felizes e cinematograficamente conseguidos por forma a construir e a pouco e pouco revelar o mistério do filme. A própria música dobra o filme, a ficção dentro da ficção, de modo a prender o espectador aos episódios sentimentais e sentimentalmente banais da forma como o cinema banal costuma fazer. 
                      Third-Person _Liam-Neeson-Olivia-Wilde
     No actual cinema americano o cineasta ocupava até agora o seu próprio lugar, que "Colisão"/"Crash" (2004) começou a desenhar e "No Vale de Elah"/"In the Valley of Elah" (2007) e "72 Horas"/"The Next Three Days" (2010) definiram. Por mim ele dá em "Na Terceira Pessoa" o passo que lhe faltava para ser um grande cineasta não apenas no panorama americano mas no cinema mundial, ao superar-se como realizador para nesse aspecto se situar ao seu próprio nível como argumentista. Na linha de "Colisão" mas para melhor, mais depurado e espacialmente disperso, mais ligeiro, com a subtileza que até agora lhe faltava.
    Dito isto em favor de "Na Terceira Pessoa" e do seu autor, aconselho o filme incondicionalmente aos espectadores mais exigentes. Chegar ao essencial através dos meios mais banais do próprio cinema e da televisão é muito bem visto e está muito bem conseguido. Para os mais conhecedores aqui se reconhece o rasto de "Providence", de Alain Resnais (1976), o que é bom sinal.

sábado, 26 de julho de 2014

O comboio do futuro

     O sul-coreano Bong Joon Ho é bem conhecido por "The Host - A Criatura"/"Gwaemul" (2006) e "Mother - Uma Força Única"/"Madeo" (2009), filmes que davam conta de um talento invulgar que "Shaking Tokyo!",  segmento de "Tóquio!"/"Tokyo!" (2008), veio confirmar. O seu último filme em data, a produção internacional "Snowpiercer - O Expresso do Amanhã"/"Snowpiercer" (2013), é um filme de ficção-científica mais ambicioso em que ele se move com perfeito à-vontade num contexto diferente, potencialmente mais indiferenciado.
                     John Hurt in Snowpiercer
    Baseado numa banda-desenhada francesa, "Le Transperceneige", de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette, "Snowpiecer - O Expresso do Amanhã" consegue aproveitar os valores de produção de que dispôs para uma obra intransigentemente pessoal que, conservando traços de inspiração do seu ponto de partida em termos visuais, se cumpre como ficção-científica cinematográfica em termos justos de elevada qualidade.
     Tirando partido da concentração espacial num comboio que se move a alta velocidade em 2031 e da distribuição dos seus passageiros no seu interior (a locomotiva do comando, a parte de trás dos passageiros dominados), uma vez exposto com clareza o seu programa narrativo o cineasta supera-se na parte final, em que todos os dados narrativos são expostos com toda a crueza (no diálogo de Curtis e Minsoo) e resolvidos de vez.             
                     Chris Evans Tilda Swinton and Octavia Spencer in Snowpiercer Snowpiercer Review          
      Os lugares comuns da ficção-científica são evitados em favor dos termos de uma exploração impiedosa dos dominados entre os sobreviventes de uma catástrofe ecológica por um senhor invisível situado na locomotiva, poderosamente vigilante e guardado. Com um cast internacional em que avultam Chris Evans como Curtis, que não tem vocação para liderar, Kang-ho Song como Namgoong Minsoo, personagem complexa e fundamental, John Hurt como Gilliam, o ambíguo, Tilda Swinton (extraordinária) como a repulsiva Mason e Ed Harris como Wilford, o diabólico líder, o cineasta constrói um filme de acção implacável em que a fraqueza se paga e nenhum dos lados cede onde não deve ceder.
     A música de Marco Beltrami imprime um dinamismo sonoro à parte visual em termos que permitem entender completamente a violência implacável da acção envolvida. Mas o que decididamente mais me agrada em "Snowpiecer - O Expresso do Amanhã" são as marcas de inspiração na banda desenhada que Bong Joon Ho conserva, preserva e amplia de forma exemplar, num cruzamento que manifestamente mostra ser uma aposta ganha.
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      Não há esperança? Não, não há esperança nenhuma, nem na narrativa nem nas cores da fotografia de Kyung-pyo Hong, de um assombroso rigor, neste filme em que o cineasta volta a ser co-argumetista. Apenas o dever de cada um permanecer fiel a si próprio até ao fim. Lição maior só ao alcance dos muito grandes.

sábado, 19 de julho de 2014

Um belo mistério

   "Debaixo da Pela"/"Under the Skin" é a terceira longa-metragem do inglês Jonathan Glazer (2013) e a primeira que dele vejo. Tinham-me chamado a atenção para o filme mas só mesmo agora consergui vê-lo.  
                      Scarlett Johansson Under the Skin
   Com Scarlett Johansson a interpretar a mulher que não se sabe quem é, de onde veio, que intenções tem, sobre ela o cineasta constrói o mistério do filme, que começa por assumir um carácter predador, mortal, para depois se transformar numa tomada de consciência de si mesma da personagem.
    Jonathan Glazer atinge aqui um nível de perfeição formal, na exploração do ser físico da actriz, nos efeitos digitais e na construção narrativa do filme - muito bom o momento em que na paragem de autocarro começa a reviravolta da protagonista - e Scarlett Johansson tem aqui o melhor papel que hoje em dia poderia desejar, pois ela é, nas novas condições do filme, o seu centro físico, do plano médio ao grande-plano e ao plano de pormenor.
                      Under the Skin              
   É muito bom que "Debaixo da Pele" preserve o seu mistério até ao fim, pois assim deixa o espectador sem explicações razoáveis e prosaicas: evidentemente, as cinzas. E a este nível de construção fílmica do filme e do seu mistério eu gosto sempre muito.
   Que um filme possa hoje dizer tanto com tão pouco é mérito inegável do cineasta, também co-argumentista com William Campbell a partir de romance de Michel Faber, mas também da própria actriz, já que por ela, pelo corpo e a inteligência dela, passa aquilo que de mais importante o filme tem a mostrar e a dizer. 
                      Under the Skin as if by Winslow Homer                     
     Alien ou sonho, este é sempre um filme de fantasia superior com uma figuração masculina irónica e justa e uma mulher que vale o mistério. Apenas rosto? E debaixo da pele o quê? Quem, porquê e para quê? Esse o belo mistério de uma bela mulher.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Um movimento perigoso

    No início de "Night Moves", de Kelly Reichardt (2013), Dena/Dakota Fanning diz ser favorável, na luta pela protecção do ambiente, às "pequenas acções", como tal dando a entender que considera como tal o acto que ela, Josh/Jesse Eisenberg e Harmon/Peter Sarsgaard preparam e levam a cabo na primeira parte do filme. 
    Nessa primeira hora a minuciosa descrição do filme dá a impressão de que se está perante uma acção inofensiva, quase uma brincadeira entre amigos. Sem privilegiar nenhum dos três embora mostrando já um potencial de simpatia por Josh, Kelly Reichardt consegue dar como banalidade quotidiana o que então se passa entre eles de forma que pelo menos não os hostiliza.
                    Night Moves
     Quando, na segunda parte do filme, se sabe que a sua acção fez uma vítima, mesmo se involuntária, já assumindo a perspectiva de Josh as coisas tornam-se negras para o trio, de tal modo que se percebe que alguém ali vai ceder e alguém ali vai ter de agir. A passagem para o ponto de vista de Josh mostra-se inteiramente justa, os magníficos exteriores da primeira parte desaparecem para dar lugar a interiores ou localidades precisas e o filme acelera na sua meia-hora final, em especial a partir do momento em que, sem que seja mostrado, sabemos que Josh se introduziu de noite em casa de Dena.
     A arte de Kelly Reichardt emerge aqui de uma forma nova, inesperada, e a conclusão é excelente porque mantém o terror de Josh. Não lhe quero chamar apenas subtileza, mas presciência. Com actores certos, em especial Jesse Eisenberg num papel bressoniano, "Night Moves" move-se insensivelmente de uma descrição monótona, embora atenta a uma natureza sensível, para uma tensão subrepticiamente surgida, muito bem desenvolvida e dominada.
                    
   Eu que tenho em especial apreço esta cineasta (ver "Perdidos", 5 de Julho de 2012) confesso-me rendido a este filme quje me faz acreditar mais que o melhor do cinema americano está, neste momento, a passar pelo seu novíssimo cinema independente, de que Kelly Reichardt faz parte. O espantoso equilíbrio criado entre a suas duas partes, as subdivisões da segunda, o tom geral que exclui qualquer tipo de julgamento em favor do dar a ver, mostrar, dão conta de um trabalho de realização mais que seguro, complexo e generoso, em que a cineasta reafirma a sua integridade como autora.
     Se fosse preciso, escolheria a sequência acima mencionada entre Josh e Dena como um dos melhores momentos de cinema a que me foi dado assistir este ano, até porque ela culmina uma linha de tensão crescente sem fechar o filme, pois segue-se-lhe Josh acossado com que ele termina.
                     Night Moves - Jesse Eisenberg 2
     Porque não acredito em coincidencias, chamo a atenção para que o título original deste filme, "Night Moves", recupera o de "Um Lance no Escuro" (1975) do honrado Arthur Penn (1922-2010). E não devo deixar de referir que Jonathan Raymond volta a estar ao lado da cineasta no argumento, a própria realizadora responde pela montagem e o nome de Todd Haynes surge como produtor executivo.  
     Escrevi acima que Josh é uma personagem bressoniana. Acrescento agora que este é o mais bressoniano filme de que o cinema americano, que já teve Paul Schrader, hoje em dia (honra a Kelly Reichardt) é capaz. Notável.                    

terça-feira, 15 de julho de 2014

Dossiers exemplares

     A revista francesa "Positif", criada nos anos 50 e arquirrival dos "Cahiers du Cinéma", o que é muito positivo, sempre se destacou não apenas pela crítica mas pelos dossiers, sobre cineastas ou temáticos, que cada um dos seu números inclui. Sempre a preto e branco até há pouco tempo, quando passou a ser editada pelo Institut Lumière, o que lhe permitiu adoptar a cor nas reproduções fotográficas, esta é uma revista de referência internacional que sempre praticou uma saudável independência.
    O que justifica esta referência à "Positif", que não é a primeira que aqui lhe faço, é o seu nº 641/642, de Julho-Agosto de 2014, em que, depois de um significativo dossier sobre os 100 anos de Charlot no mês anterior, inclui um importante dossier sobre os directores de fotografia do cinema e a cor. Com antrevistas extremamente pertinentes (Mark Lee Ping Bing, Darius Khondji, Vilmoz Zsigmond, Peter Suschitzky) este dossier dirigido por Hubert Niogret, com pesquisa icinográfica do próprio e de Christian Viviani, que conta com a participação de Michel Ciment, nome de referência da revista, é absolutamente exemplar no modo como, da teoria à prática, cobre toda a problemática da fotografia e da cor no cinema.
                                     
    É mesmo por este motivo que, num tempo em que toda a gente fala e lê o inglês, eu insisto nas publiacações de cinema francesas, em que se pode continuar a encontrar o que em nenhum outro idioma é acessível sobre cinema. Embora as minhas preferências intelecuais e afectivas sempre tenham estado com os "Cahiers", sempre li com a atenção e o respeito, que ela merece, a "Positif", que aqui num número duplo muito especial especialmente recomendo. Sobre todas as cores em todas as épocas do cinema, convocando presente e passado nesta questão tão importante numa arte eminentemente visual como o cinema é.
   Como se se tivessem combinado, os "Cahiers du Cinéma dedicam o seu nº 702, de Julho-Agosto de 2014, à questão da luz e aos directores de fotografia no cinema, num dossier igualmente indispensável e que faz perfeitamente as honras á tradição e à reputação da revista. "No princípio há a luz, depois o quadro, depois os actores, depois a história" (Vilmos Zsigmond). 
                                        
    Ampliando a questão e indo à sua origem, de acordo com a sua própria história, depois do erotismo em 2012 e do amor dos actores em 2013 no âmbito de uma nova estratégia de "desmontagem das «taras» do cinema contemporâneo" os "Cahiers" mostram neste seu novo número de Verão, em que entrevistam Janusz Kaminski, Vilmos Zsigmond, Dion Beebe, Larry Smith, Claire Mathon, Daniel Landin, Manuel Alberto Claro, Sean Price Williams, que não é fruto do acaso o prestígio de que continuam a gozar, agora sob a direcção muito esclarecida de Stéphane Delorme, que daqui saúdo.  
    Mas uma vez que estou a falar de publicações de cinema, chamo também a atenção para a "Trafic", também francesa, fundada em 1992 por Serge Daney e Jean-Claude Biette, uma revista semestral com um outro objectivo histórico e teórico, que nos seus últimos números dedica dossiers muito bons a John Carpenter (nº 89, Primavera de 2014) e Budd Boetticher (nº 90, Verão 2014). Depois de hitchcock-hawksiano posso ser identificado, com razão, como boetticher-carpenteriano (o que é perfeitamente compatível e congruente), e como tal fiquei muito satisfeito e recomendo, até porque um cineasta tão na moda como Quentin Tarantino se ufana da influência do mestre do western da Série B e também do mestre do filme de terror contemporâneo.

Mal da alma

  O último filme do francês Arnaud Desplecchin, "Jimmy P: Realidade e Sonho"/"Jimmy P." (2013), que só agora consegui ver, confirma plenamente o cineasta como um dos nomes mais importantes do cinema contemporâneo (ver "Um cinema da exigência", 11 de Fevereiro de 2012). Dois elementos que caracterizam o cineasta estão, de facto, presentes neste seu novo filme: a importância da palavra, dos diálogos, e o lugar central dos actores. 
                       Jimmy P (en compétition) - Les vingt films les plus attendus de Cannes 2013 en images - ParisMatch.com
    Na adaptação de um livro baseado na experiência real de um psicanalista judeu, apresentado como antropólogo, com um índio americano traumatizado da II Guerra Mundial, "Reality and Dreams", de Georges Devereux, o cineasta documentou-se exaustivamente sobre a época e a questão abordada (nomeadamente "Let There Be Light", de John Huston, 1946) por forma a fazer emergir um terceiro elemento característico da sua obra: o trazer à consciência o que nos recônditos do inconsciente se esconde.
    Juntando, num frente a frente notável, dois representantes de populações vítimas de genocídio, o índio Jimmy Picard/ Benecio Del Toro e o judeu Georges Devereux/Mathieu Amalric num duelo que os actores tornam notável, "Jimmy P: Realidade e Sonho" descreve e narra os diferentes degraus entre um diagnóstico inicial de "esquizofrenia" e o diagnóstico final de simples "mal da alma", para o qual o diálogo persistente e a insistência do psicanalista se revelam fundamentais. 
                       Fotogaleria do filme «Jimmy P., Realidade e Sonho»
   Percorrendo os lugares conhecidos da psicanálise, Devereux consegue chegar à verdade íntima da mente e do corpo do seu paciente e desse modo libertá-lo para o futuro. E desse diálogo axial nada, nem a presença de passagem de Madeleine/Gina McKee, uma mulher na vida do psicanalista para contrabalançar as diversas de Jimmy, nos distrai, o que provoca uma absoluta concentração do filme na sua questão nuclear, sem paliativos ou concessões, mas explorando-a em todas as suas ramificações dramáticas presentes, passadas e oníricas.
   Para o comum dos espectadores de cinema este é um filme altamente recomendável pelo duelo entre dois grandes actores, Benicio Del Toro e Mathieu Amalric, o que é manifesto, evidente. Para mim, além disso e integrando-o este é um novo grande filme, elipticamente construído sobre os espaços, os tempos e os diálogos, de um grande cineasta, Arnaud Desplechin, para cujo nome me permito chamar aqui de novo a atenção.

domingo, 6 de julho de 2014

Equívoco

   Muito na moda na actualidade, a adaptação ao cinema de obras literárias relevantes é, por si mesma, um problema. E é um problema porque, por regra, não lhes acrescenta nada e apenas convoca comparações disparatadas.
   "O Homem Duplicado"/"Enemy", do canadiano do Québec Denis Villeneuve (2013), baseado no romance homónimo de José Saramago (2002), enche de ambição o que não passa de um tele-filme enfadonho, sem soluções e sem saída, que voltado sobre o seu enigma o explora sem saber construir o seu mistério como filme.    
                   
     Por causa do prestígio, da celebridade que o cinema ainda (e talvez cada vez mais) arrasta consigo, nos tempos que correm mesmo os grandes escritores gostam de ver as suas obras postas em filme. José Saramago não tem tido sorte com os seus livros transpostos para o cinema, em adaptações que ficam sempre aquém do que ele escreveu e se limitam a ilustrá-lo, de que a melhor talvez seja mesmo "Embargo", do português António Ferreira (2010).
     Salvo o actor principal, Jake Gyllenhaal, mesmo sem considerar a qualidade da adaptação, pois não considero a fidelidade ao original um valor central, "O Homem Duplicado" de Denis Villeneuve tem tudo o que é necessário para fazer dele um fraco filme, que só por si um actor raramente, e em todo o caso não aqui, resgata.
                    O Homem Duplicado : Foto Sarah Gadon
      A relação da literatura com o cinema tem beneficiado da participação de grandes escritores no argumento do filme ou então da apropriação do livro por grandes cineastas. Nos outros casos, que são a maioria, trata-se de mero aproveitamento do sucesso literário por parte do cinema, que com ele se enfeita, desse modo procurando engrandecer-se quando de facto geralmente se limita e apouca.
     Não se salva nada neste "O Homem Duplicado" de Denis Villeneuve? Por mim, apenas a sugestão final e nada mais.

Impasse

   O último filme de Xavier Dolan a estrear em Portugal, "Tom na Quinta"/"Tom à la ferme" (2013), confirma-o como um cineasta hábil mas também confinado a uma temática, a da sua própria orientação sexual. Não tenho, evidentemente, nada contra isso, que actualmente até está na moda, mas penso que como cineasta ele ainda não saiu daí, do seu caso, o que por ser limitativo é mau sinal.
   Sem a ironia de "Laurence Para Sempre"/"Laurence Anyways", 2012 (ver "Um novo autor", 17 de Agosto de 2013), o canadiano do Québec volta a debruçar-se sobre si próprio, agora até como actor, o que a habilidade da realização e a pertinência do ponto de partida adoptado, uma peça teatral de Michel Marc Bouchard, não fazem esquecer, antes realçam.
                  
   Visto como "menino bonito" do cinema actual, com um importante prémio no último Festival de Cannes por "Mommy" (2014), pode fazer as habilidades e as caretas que quiser que a mim não me convence enquanto não sair de si próprio e, a partir da sua própria orientação sexual, a transcender como problema para enfrentar as grandes questões do seu tempo e da sua cultura, que a ela não se limitam. Como fizeram antes dele grandes cineastas como Luchino Visconti, Pier Paolo Pasolini, Gus Van Sant, Pedro Almodóvar.                                    
   Em "Tom na Quinta" ele tira partido da concentração espacial da peça de origem e até do embaraço da morte mas não vê para além da sua problematicazinha, a que está manifestamente limitado e de que, pelos vistos, muitos gostam. Reconhecendo os seus méritos na exploração do espaço e até mesmo da narrativa, pela minha parte identifico em "Tom na Quinta" o impasse do cineasta Xavier Dolan e o equívoco do seu rumo. Porque, e aqui temos que nos entender, por muito importante que a forma seja no cinema, como defendo, o cinema a ela não se limita. "Starlette" talvez, agora grande cineasta, perante a história do cinema e apesar de sinais promissores ainda não, de maneira nenhuma.